— Mil vezes pior que o fim é a consciência antecipada do fim — disse a ela.
Aquela frase lhe surgira como por mágica depois de uma semana tentando pôr em palavras a delicada situação que atravessavam. Na noite em que parou de tentar formulá-la por conta própria, acordou com a sentença, que lhe pareceu esteticamente perfeita, na cabeça. “Mil vezes pior que o fim é a consciência antecipada do fim”, repetiu para o espelho um sem-número de vezes assim que deixou a cama, para encontrar a melhor forma de dizê-la à Fernanda. Horas depois, no entanto, no momento em que a pronunciou com os olhos fitos na mulher, sentiu-se pateticamente metido a besta.
— Que bobagem é essa, João?
Desconcertou-se:
— Você não entendeu?
— Entender, eu entendi. Mas por que dizer isso aqui, agora?
Uniu as mãos atrás da cabeça para descontrair-se:
— Você sabe que o que temos pode, mais dia, menos dia… Entende? Passarei por você, e você por mim, e sorriremos só para evitar antipatia, sabendo que um retorno é impossível. Mas ainda pior, mil vezes pior, é saber, hoje, que isso há de acontecer dentro de algum tempo.
A Fernanda indignou-se com a previsão amarga, inoportuna. Levantou-se da cama, cobrindo-se com as roupas que atirara ao pé da cama.
— Você é desagradável, João.
— A vida é desagradável.
— Detesto quando você vem com esses papos de filosofia.
— Não é filosofia, meu mel, é realidade — disse e levantou-se para impedir que ela deixasse o quarto.
A Fernanda fugiu ao seu toque.
— Desencosta.
— Não posso te tocar, meu bem?
Olhou para ele. Estava prestes a chorar, e ele o sabia porque ela piscava furiosamente, em vão como na última vez e em todas as outras.
— Que coisa horrível, João, você me vir falar de fim aqui, agora. Não quero saber de fim, de consciência de fim… Você não gosta da minha companhia?
— Amo sua companhia, meu dengo.
— Então se explique, porque eu não te entendo.
Ele sentou-se na beira da cama e seus ombros penderam.
— Meu amor, nosso relacionamento é simples. Não se trata, nem mesmo, do que chamam de relacionamento. É uma casualidade, um divertimento. É prazeroso, mas acabará, e você e eu sabemos. Tem… como se diz?, um prazo de validade — que desconhecemos, mas que não deixa de existir em virtude disso. Você já me garantiu que não deseja um compromisso formal, um namoro… E a você eu disse o mesmo. Concordei com seus termos, integralmente. Nada mais razoável do que perceber que, cedo ou tarde, tudo isso há de sumir, não é?
A Fernanda chorava sem pudor. Permitiu-se recostar a cabeça nos ombros do João.
— Mas por que dizer isso? Por que dizer isso?
O João puxou-a para si e beijou-a na testa.
— Não me leve a sério, meu bem. Não regulo bem. Sou louco. Estou dizendo uma verdade intragável, horrorosa, mas ainda uma verdade. De qualquer forma, não escolhi um bom momento. Me perdoe.
— Não volta atrás agora. Você quer o quê, parar de me ver?
— De jeito nenhum.
A Fernanda agitava uma negação dolorosa com a cabeça.
— Não te entendo, não entendo…
Só então deu-se conta de que era mesmo e terrivelmente metido a besta, e desejou ter ficado quieto pelo resto da noite.
— Se você não quiser mais, nos afastamos — ela disse. — Eu paro de vir, você não aparece mais por lá… Não precisa bagunçar minha cabeça.
— Você entendeu errado e eu sinto muito, meu amor. Me perdoe. Esqueça o que eu disse.
— Não esqueço, João. Isso, não esqueço.
— Esquece, não demora um dia.
— Você me vem com essa conversa detestável e quer que eu me livre dela feito mágica?
— Você esquece até o próprio aniversário.
O gracejo encontrou-a desarmada e arrancou-lhe um sorriso espontâneo.
— Filho da puta — ela disse, e pendurou-se no braço dele.
Aproveitou-se daquela amenidade:
— Você é uma mulher valiosa. Lembre-se. Já eu sou, sempre fui, um homem estúpido, e falo o que não devo para me sentir inteligente. Péssimo, péssimo. O que temos é fantástico e, honestamente, não quero que acabe. Se acabará ou não, a propósito, não é assunto para hoje…
Ela acariciava, com a face, o ombro do João.
— Você me assusta. Assim, sem quê nem porquê, dizer o que disse… Penso se te desagrado, se te sou um estorvo… Não compreendo essas suas ideias, e me sinto culpada. Por mal, não é, porque isso você não faria. Mas assustar, assusta. Machuca.
— Está certa. Por isso mesmo estou retirando o que disse, palavra por palavra, e quando eu estalar os dedos você não se lembrará de nada.
Ainda sorria:
— Você é péssimo.
— Mas um péssimo bom.
Outra vez a viu rir o riso de dentes grandes que ele invejava. Envolveu-a nos braços e rolou com ela pela cama, voltando à posição em que estavam quando dissera as primeiras palavras. Mais tarde, amaram-se mais uma vez e mais uma vez souberam que alguma inteligência superior os havia levado àquelas circunstâncias.
Ao despedir-se, ela o beijou com o calor de sempre, mas já no seu beijo havia a certeza de que não podia negar nada do que ele dissera — e de que o fim, ainda que imprevisível, os aguardava como aguardava a tudo.
Imagem por Nathan Cowley via Pexels